Skip to content

A escultura do tempo. Esse é o título de minha intervenção. Um título que eu mesmo propus e que, no entanto, me soa incômodo porque Ii primeira vista, ou à primeira audição, as palavras parecem entrar em conflito. De todas as artes, a que mais enfatiza a presença material, sólida, no espaço, é a escultura. De tudo o que existe, nada é mais incapturável, fisicamente falando, do que o tempo. Escultura e tempo – o objeto e o não-objeto por excelência.

O conflito, no entanto, se dissolve se ouvirmos o termo escultura como o modo através do qual o tempo se traduz em espaço. Vale dizer: se materializa. Então a escultura surge não enquanto objeto inerte, mas enquanto ação que vai realizando o tempo, e que é o próprio tempo que vai realizando. Ação que é transformação.

A atenção converge portanto para a ação do tempo e a possibilidade de captá-la. Ora, costumamos achar que essa possibilidade se dá enquanto estabelecemos uma comparação entre o antes e o depois, entre a forma primeira e a última. Em suma: que captamos a ação do tempo através do contraste e do confronto das formas. Mas assim perdemos o essencial, que é precisamente o que está acontecendo entre as formas e com elas, e que é o movimento do tempo esculpindo. Se a atenção se concentra nas formas e não no movimento de transformação, perdemos o tempo. Parece-me que para encontrá-lo precisamos ser capazes de entrar em sintonia com a sua ação.

É dessa sintonia que pretendo falar aqui. Ou melhor: de alguns exemplos nos quais o artista, sintonizando a ação transformadora do tempo, nela se incorpora; e, tornando-se um simples operador, deixa que o seu próprio trabalho seja uma escultura do tempo, e seja apenas isto.

Quem já viu os dançarinos de Butoh certamente não terá dificuldade alguma em perceber do que se trata. Ali, de repente o balé ocidental se torna fútil porque busca uma forma, porque investe na procura de uma forma que o corpo possa mostrar, porque faz da coreografia, isto é, o pensamento do movimento no espaço, a razão de ser da dança; ali o balé ocidental se torna oco, exercício mecânico, exercício físico querendo expressar o meta-físico – e o que aparece encadeando as formas é o seu esforço.

No Butoh não. Há uma espantosa abertura espiritual; por ela, o movimento do tempo vai criando corpo, mais do que animando os corpos, vai modelando pés, mãos, torso, cabeça, que passam a viver o tempo e os ritmos do medo, da dor, da dissociação, da luta, do ataque convulsivo, mas também, e principalmente, o tempo e os ritmos do advento da plenitude, do vigor, da serenidade, do encontro, da iluminação. De modo que não há corpos que existem no espaço com formas próprias antes e depois do movimento e que se transformam apenas num esforço de expressão; como os corpos não existem fora da ação temporal, há a experiência corporificada do tempo, a experiência de sua variação. Sem dúvida, é preciso afirmar que o Butoh é uma meditação da encarnação. Como diz Ko Murobushi: Butoh é “frescor efêmero dos instantes do porvir e linhas de força inacabadas de tudo o que muda incessantemente”.

A dança japonesa nos oferece a oportunidade única em que nos é dado sintonizar diretamente o tempo criando o homem, esculpindo a própria vida do artista. A rigor, talvez nem conviesse empregar o termo escultura, já que esta, de modo geral, capta um instante e o fixa numa forma, enquanto aqui se trata da duração da ação transformadora. Mas prefiro conservá-lo para sublinhar o caráter tangível dessa criação. É importante considerar que somos tocados por ela, e que podemos tocá-la.

***

As outras artes também podem ser tocantes, podem nos comover, quando se estabelece a sintonia. Talvez de um modo menos direto, mais indefinível do que quando é a vida mesma que está ali, pulsando deslumbrantemente em nós e fora de nós. As outras artes também tocam – a começar da própria escultura. Aliás, a esse respeito, vale a pena lembrar um interessante artigo de Euclides da Cunha intitulado “A vida das estátuas”, onde o que estimula o escritor é a seguinte pergunta: o que faz de uma estátua, estátua viva?

Tudo se passa como se fosse imprescindível à sintonia do artista com o tempo da sociedade em que vive, e o sentimento coletivo que esse tempo gerou e fez crescer. É o que ocorre com a estátua do marechal Ney.

Diz Euclides:

“Dos múltiplos aspectos da vida dramática e tormentosa do valente, o escultor escolheu o mais fugidio e revolto: o final de uma carga vitoriosa.

O general, cujo tronco se apruma num desgarre atrevido, mal equilibrado numa das pernas, enquanto a outra se alevanta em salto impetuoso, aparece no mais completo desmancho: a farda desabotoada, e a atitude arremetente num arranco terrível, que se denuncia menos na espada rijamente brandida que na face contorcida, onde os olhos se dilatam exageradamente e exageradissimamente a boca se abre num grito de triunfo.

É um instantâneo prodigioso. Uma vida que se funde no relance de um delírio e num bloco de metal. Um arremesso que se paralisa na imobilidade da matéria, mas para a animar, para a transfigurar e para a idealizar na ilusão extraordinária de uma vida subjetiva e eterna, perpetuamente a renascer das emoções e do entusiasmo admirativo dos que a contemplam.”

Evidentemente, há os que, como a crítica míope, não conseguem enxergar senão a boca aberta e muda, o braço e a perna no ar. Mas os outros franceses, das mais variadas correntes políticas, enleados pelos mesmos sentimentos ali se irmanam – pois escutam ressoando naquela boca metálica o brado triunfal que rolou dos Pireneus à Rússia, vêem atrás do herói o grande exército…

“É que a escultura”, continua Euclides, “sobretudo a escultura heróica, tem por vezes a simultaneidade representativa da pintura, de par com a sucessão rítmica da poesia ou da música. Basta-lhe para isto que se não limite a destacar um caráter dominante e especial, senão que também o harmonize com um sentimento dominante e generalizado. [ … ] A mais estática das artes, se permitem o dizer, vibra então na dinâmica poderosa das paixões e a estátua, um trabalho de colaboração em que entra mais o sentimento popular do que o gênio do artista, a estátua aparece-nos viva – positivamente viva, porque é toda a existência imortal de uma época, ou de um povo, numa fase qualquer de sua história que para perpetuar-se procura um organismo de bronze.”

Permito-me repetir a frase, pois ela é surpreendente. Euclides escreve: toda a existência imortal de uma época ou de um povo procura um organismo de bronze. É o caso de completar: procura… e quando encontra, realiza-se o processo que o escritor denomina “fisiologia transcendental”.

Trata-se de um trabalho do tempo. Primeiro é preciso que se dê a gestação do herói. Gerações sucessivas o modelam, o refazem, o aprimoram, exagerando seus atributos superiores, corrigindo seus defeitos, transfigurando-o até que se ultime a criação. É então que intervém o escultor em sintonia com o tempo de sua sociedade. Como diz Euclides, é aí, quando “a estátua virtual, a verdadeira estátua, está feita, restando apenas ao artista o trabalho material de um molde”. Parece, portanto, que na fisiologia transcendental o escultor é aquele que, sensível ao tempo da sociedade e ao sentimento coletivo que ele suscitou e fez amadurecer, abre um canal por onde estes podem se concretizar. Como se o escultor se limitasse a acolher, a receber esses sinais dos tempos.

Mas não se acolhe de qualquer jeito, ou a qualquer momento. Sobretudo, não se acolhe quando se quer. Euclides insiste na importância de se saber respeitar o trabalho do tempo. Caso contrário, a estátua nasce prematura, vem fora do tempo, é historicamente inviável. “E não há golpes de gênio que a transfigurem. É uma estátua morta.”

***

Entrar em sintonia, captar o movimento do tempo esculpindo. Mas agora, com Bashô, o mestre do haiku, em vez de captar o tempo histórico, tempo da sociedade, captar o tempo da natureza.

Bashô escreve:

Por que esta letargia?

Eles mal poderiam despertar-me.

Pancada de chuva primaveril.

A simplicidade do poema é desconcertante. Em três linhas há apenas o registro de um fato. No entanto, quanto mais nos detemos nessa constatação, mais ela se torna uma experiência perturbadora. Com efeito, tudo se passa como se estivéssemos descobrindo, com Bashô, a existência de uma letargia que o habita no momento mesmo em que ela se revela, para seu espanto. Nem nós, nem o poeta, sabemos por que ela está ali, ou do que é feita; sabemos apenas que há um estado de coisas (ou será um estado de ânimo, um estado de espírito?), um estado que se declara e que num mesmo movimento leva o poeta a indagar: “Por que esta letargia?” Aliás, esse estado de coisas se declara na linguagem, toma corpo nas palavras e nada nos permite separá-lo delas. Não existe primeiro a letargia atuando e depois a sua expressão; não existe a força separada da força de expressão. Talvez ela até estivesse lá, antes de ser nomeada, mas não tinha existência como tal para Bashô, e muito menos para nós.

A letargia irrompe com a pergunta. Ela é forte, é densa, é intensa. Ela toma conta do poeta de tal modo que o mergulha num sono do qual não se sai com facilidade. Em todo caso, se eles (mas eles quem: os homens?) tivessem percebido o estado em que Bashô se encontra e tentado tirá-lo dele, a letargia teria força suficiente para se opor, para resistir. O segundo verso do haiku diz: “Eles mal poderiam despertar-me”. Se eles tivessem prestado atenção, e agido em consequência, talvez então a letargia resistisse. Mas se o fizesse, não surgiria para Bashô, nem para nós, como torpor, porque teria outro estofo. Portanto, não seria mais esta letargia que está se erguendo. Outro seria o estado de coisas, de ânimo, ou de espírito.

Está se vendo que o primeiro verso diz o presente e que o segundo o qualifica através de uma ação condicional que não se deu, mas podia se dar e cujo resultado não passa de uma suposição, sendo portanto uma projeção. De qualquer modo, tanto o presente quanta o futuro do pretérito são imediatamente revogados pela atualidade do terceiro verso, que agora afirma: “Pancada de chuva primaveril”.

Como ouvir este verso, senão como o som da chuva que anuncia o tempo da natureza, tempo de primavera? “Pancada de chuva primaveril” não é a própria forma como o tempo se corporifica? E se assim for, o que diz a afirmação do terceiro verso senão a descoberta do tempo que está fazendo e da defasagem em que Bashô se encontra em relação a ele? Pois não é próprio do tempo do inverno, tempo da hibernação, o estado letárgico?

Cai uma pancada de chuva primaveril. E aquilo que os outros mal poderiam fazer – isto é: despertar Bashô – a chuva o faz. Naturalmente. Bashô ouve a chuva; esta o faz perguntar: “Por que esta letargia?” Bashô ouve a chuva e a pergunta. A audição do que irrompe de fora para dentro e de dentro para fora o faz despertar. E ele percebe que há o tempo primaveril da chuva e o tempo invernal da letargia, percebe que há vida e atraso de vida. Não há como escapar: entre o primeiro e o terceiro versos, a própria percepção do tempo vai transformando a letargia em passado. E a atenção que se dá a ela, terminado o poema, é a mesma que se dá a memória na experiência do presente. Ou seja: o passado está presente no presente; mas não como presente retardado, e sim como evocação.

O que temos então, nestes três versos do haiku, é a transformação que o tempo opera na natureza e em Bashô, corporificando-se em chuva e encarnando no poeta. Haveria na linguagem exemplo mais esplêndido de sintonia, de escultura do tempo? Haveria na poesia oportunidade mais generosa de compartilhar com o leitor a abertura para o tempo, e a transformação?

***

Depois da dança, da escultura e da poesia, o último exemplo de sintonia com a escultura do tempo deve vir do cinema. Mais especificamente: do cinema de Andrei Tarkovski.

Tarkovski, que morreu em dezembro de 86, deixou-nos, além de seus filmes, um livro de reflexões sobre o cinema. Nele descobrimos não a chave de seus filmes, mas o parentesco de seu espírito com o de Ko Murobushi e de Amagatsu, com o espírito de Euclides, e de Bashô.

Antes de tudo, Tarkovski ama o haiku, porque este é uma observação pura e sutil da vida colhida pelo poeta, uma observação direta que se dá sob a forma de imagens. Imagens únicas do mundo, da vida, que se apresentam como revelação, flashes súbitos de iluminação; nas palavras de Tarkovski, “como escamas caindo dos olhos”…

Evidentemente essa imagem não é uma alucinação ou uma invenção, muito menos uma composição. A imagem que se revela se impõe como um fato, isenta de simbolismo, infensa a interpretações. “Um homem está morto; […] isto é uma imagem”.

Ora, como se forma a imagem? O cineasta responde que a concepção das imagens é governada pela dinâmica da revelação. Mas o que vem a ser essa dinâmica?

Tarkovski percebe que os momentos de iluminação são verdades momentaneamente sentidas – como ele diz, “verdades fisiológicas”. Nesses momentos, desses momentos, nasce a imagem. Portanto, a imagem é tempo, o tempo de um estado de espírito. Era fatal que Tarkovski se encaminhasse para o cinema. Se a imagem é tempo e o tempo, um estado de espírito, a imagem revelada correspondia a uma tomada cinematográfica. Pois o que é o cinema senão o tempo das imagens em movimento?

Tentando compreender as relações entre a imagem da observação direta, imagem revelada e, a imagem cinematográfica, ocorreu a Tarkovski que o cinema era “tempo impresso”, que o filme consistia na “impressão do tempo”. Permito-me transcrever suas palavras:

“Quais são os fatores determinantes do cinema, e o que emerge deles? O que são o seu potencial, seus meios, suas imagens – não só formalmente, mas até espiritualmente? E em que matéria trabalha o diretor?

Ainda não consigo esquecer essa obra de gênio, exibida no século passado, o filme com o qual tudo começou – L ‘arrivée d’un train en gare de La Ciotat. O filme feito por Auguste Lumière era simplesmente o resultado da invenção da câmera, do filme e do projetor. O espetáculo, que dura apenas meio minuto, mostra um trecho da plataforma da estação banhado de sol, com damas e cavalheiros perambulando, e um trem vindo das profundezas do quadro e dirigindo-se para a câmera. Assim que o trem se aproximou começou o pânico no teatro: as pessoas deram um salto e saíram correndo. O cinema nasceu nesse momento; não era apenas uma questão de técnica, ou simplesmente um novo modo de reproduzir o mundo. O que veio à luz foi um novo princípio estético.

Pela primeira vez na história das artes, na história da cultura, o homem encontrou o modo de captar uma impressão do tempo. E simultaneamente a possibilidade de reproduzir esse tempo na tela todas as vezes que quisesse, de repeti-lo, de voltar a ele. O homem adquiriu uma matriz para o tempo atual. […] a possibilidade de imprimir em celuloide a atualidade do tempo. […] O tempo, impresso em suas formas factuais e em suas manifestações: essa é a suprema ideia do cinema como arte. […]”.

Ora, se o cinema é tempo impresso, se o filme é a impressão do tempo, se o que vemos no cinema é o tempo tornado visível, em que consiste o trabalho do cineasta, qual a sua essência?

Tarkovski responde: “Poderíamos defini-lo como: esculpir no tempo. Assim como um escultor pega um bloco de mármore e, interiormente consciente do caráter de sua peça acabada, remove tudo o que não faz parte dela – assim também o cineasta, de um ‘bloco de tempo’ feito de um enorme, sólido amalgama de fatos vivos, corta e descarta tudo o que não precisa, deixando apenas o que deve ser um elemento do filme acabado, o que se verificar parte integrante da imagem cinematográfica […] Se o tempo surge no cinema sob a forma do fato, o fato é dado sob a forma da observação simples, direta. O elemento básico do cinema, que circula por suas mais íntimas células, é a observação. […] O filme nasce da observação direta da vida; em minha opinião, essa é a chave da poesia no cinema. Pois a imagem cinematográfica é essencialmente a observação de um fenômeno passando no tempo… […] Portanto, a imagem cinematográfica é basicamente a observação dos fatos da vida dentro do tempo, organizados de acordo com o modelo da própria vida, e observando suas leis temporais. […] A imagem só se torna autenticamente cinemática (entre outras coisas) não apenas quando vive dentro do tempo, mas quando também o tempo vive dentro dela, até mesmo dentro de cada quadro separado”.

Tarkovski intitulou seu livro Sculpting in time (Esculpindo no tempo). Nele, como na maioria de seus filmes, podemos perceber que o cineasta se via como escultor. Um escultor que tratava o tempo como Rodin tratava o bloco de mármore, um escultor que fazia a imagem surgir da matéria temporal. O que Tarkovski não sabia, e que se revelou aos seus olhos espantados em seu penúltimo filme, é que não era preciso tratar o tempo como matéria – o tempo é imaterial, o tempo é a condição da matéria existir. O que Tarkovski não sabia e foi revelado é que não havia sequer a necessidade de esculpir, que o artista nem precisava intervir como criador – bastava acolher, como quem respira, o tempo operando a transformação criadora.

O cineasta realizou Nostalgia na Itália, em 1984. Queria fazer um filme sobre a nostalgia russa, sobre o sentimento relativo ao país, o estado de espírito peculiar que afeta os russos quando longe da pátria. Tarkovski rodou as imagens, foi ver o copião:

“Devo dizer que quando vi pela primeira vez todo o material filmado fiquei surpreso ao descobrir que era um espetáculo irremediavelmente sombrio. O material era completamente homogêneo, tanto em seu aspecto quanto no estado de espírito nele impresso. Não era o que eu tinha começado a fazer; à minha frente, o que era sintomático e único no fenômeno era o fato de a câmera obedecer primeiro e acima de tudo, ao meu estado interior durante a filmagem, desrespeitando minhas próprias intenções teóricas específicas: eu ficara desgastado por estar longe da família e do modo de vida ao qual estava acostumado, por trabalhar em condições muito diferentes, até por estar empregando uma língua estrangeira. Na hora fiquei espantado e ao mesmo tempo encantado, porque aquilo que havia sido registrado no filme, e agora se revelava a mim pela primeira vez no escuro de uma sala de cinema, provava que minhas reflexões sobre como a arte na tela é capaz de tornar-se a matriz de uma alma, de significar uma experiência humana única, não eram especulações fúteis, mas sim a própria realidade que ali se descortinava inquestionavelmente ante meus olhos […]”.

Tarkovski filmara não o que pretendera, mas o seu estado de espírito. O retrato de alguém cujo estado de espírito se encontra fora de si e do mundo, que está desencarnado, incapaz de encontrar o equilíbrio entre a realidade e a harmonia que tanto espera, de alguém que tem nostalgia da pátria russa distante, mas também de sua própria aspiração pela completitude da existência. Tarkovski filmara o que iria lhe acontecer quando, uma vez terminado o filme, não pode mais retornar a União Soviética. É ele mesmo quem exclama:

“Como teria podido imaginar, quando estava fazendo Nostalgia, que o sufocante sentido de espera que preenche o espaço cinematográfico deste filme deveria tornar-se a minha sorte por toda a minha vida, que doravante e até o fim dos meus dias eu teria de suportar a dolorosa doença dentro de mim mesmo?”.

O que Tarkovski descobriu, que lhe foi revelado, é que o próprio tempo se encarregara de esculpir as imagens do porvir. O tempo se encarregara de fazer o gesto criador. E o que o tempo esculpira na tomada final de Nostalgia era uma imagem única: a presença do passado e do presente que o futuro revelará a Tarkovski como o que está lhe acontecendo – a união indissolúvel do campo russo com as colinas da Toscana; a cabana russa dentro da catedral italiana.

Intervenção apresentada no colóquio “Atualidades do tempo”, promovido pelo Colégio Internacional de Estudos Filosóficos Transdisciplinares e pela Universidade estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em 8 de abril de 1988.
Publicado in
SANTOS, Laymert Garcia dos. Tempo de Ensaio. São Paulo: Companhia da Letras – Editora Schwarcz, 1989. pp. 111 a 121.
tempo de ensaio
Imagem 1: Szabó Péter, Ko Murobushi
Imagem 2: La Statue du Maréchal Ney dans le brouillard – Brassaï (dit), Halasz Gyula (1899-1984) – Paris, Centre Pompidou – Musée national d’art moderne – Centre de création industrielle
Imagem 3: Tarkovski, A. Nostalgia, 1983.
Imagem na home: edição com efeito sobre imagem de dançarino de butoh.
Back To Top
Close mobile menu