[I] Os críticos de arte e comentadores da obra de Partenheimer, sejam eles europeus, chineses ou brasileiros, freqüentemente apontam para o caráter meditativo, aéreo, alegre, imaginativo, e até mesmo lírico de seus desenhos e pinturas, sem esquecer, obviamente, do enigmático equilíbrio que torna sua obra inconfundível, e do silêncio que parece habitá-la (que se pense nas séries do Diário Romano, de Carmen, de De Coloribus, de…
Rafael Augustaitiz é um artista rebelde, um radical – coisa rara nesta época conturbada, em que predominam o medo, o controle e o politicamente correto. Radical porque vai na raiz da criação estética, que é criação de mundo. Basta visitar seus trabalhos para se constatar que, apesar de jovem, Rafael mantém ao longo dos anos rigorosa coerência. Sua trajetória é regida por um princípio que perpassa tudo o que cria: a transgressão à ordem estabelecida, em vários planos de nossa existência social e individual.
Artista da periferia, sua primeira transgressão é espacio-temporal nutrida pela recusa e pela ruptura com o ideal dominante de cidade, mais especificamente de São Paulo. Assim, à neoliberal Cidade “Limpa” ou “Linda”, Rafael contrapõe, não a simples pichação, mas a arte do pixo. Introdutor da pintura, em vez do spray, nessa modalidade de expressão, ele se apropria da arquitetura e do urbanismo paulistanos para assinar na superfície cinza a marca do demoníaco e da desordem: Opus 666. Sua palavra-de-ordem é Arte como Crime Crime como Arte, escrita vertiginosamente na fachada do arranha-céu. Correndo risco de vida!
Foi nessa primeira transgressão-apropriação que o artista viveu seu batismo de fogo. O anúncio de que o maldito está na cidade, emergindo de sua periferia, de seu avesso, prenunciou outras intervenções estético-políticas concebidas, com outros protagonistas do pixo, agora contra o sistema de arte. Deu-se então a pichação da Escola de Belas Artes, de uma galeria de street art, de grafites decorativos nas avenidas e, enfim, da própria Bienal de São Paulo. A arte do pixo de Rafael não consiste, portanto, numa inscrição narcisista ingênua e pobre na paisagem urbana. Trata-se de uma transgressão-apropriação em escala mega, que interpela os cidadãos tanto no espaço público da cidade quanto nos circuitos fechados das instituições de arte. Em resumo: trata-se de levar para as ruas e outros espaços a lição de Marcel Duchamp.
Com efeito, se há um artista contemporâneo brasileiro coerente com a lógica inaugurada por Duchamp, esse artista é Rafael Augustaitiz. A arte do pixo não aponta apenas para a apropriação do urbanismo e da arquitetura – o que já seria muito – mas também para a apropriação de uma simbologia místico-religiosa (o Pentagrama Invertido e o 666, o nome da Besta no Apocalipse), e de signos-chave da História da Arte (o Cristo de Velásquez, o auto-retrato de Michelangelo na Capela Sixtina, a Mona Lisa, apropriada de Leonardo por Duchamp e apropriada da apropriação por Rafael…).
Há uma reativação da potência dos símbolos apropriados, que vai carimbando a paisagem, as telas, as performances, os vídeos. A marca da maldade está em toda parte, é ela que faz com que, nas gravuras, São Paulo apareça, então, como fantasmagoria. E na medida em que os símbolos invocados se contrapõem a uma ordem injusta, o mal bascula, o negativo se converte em afirmação, e o que antes era sacrossanto passa a ser designado como aquilo que precisa ser destruído.
Desse modo a transgressão-apropriação prolifera, invadindo não só o ambiente, mas a torcida do Corinthians, o erotismo, a vida, e vai extrapolando os limites da metrópole, ganhando a noite estrelada, invertendo o Cristo no Rio de Janeiro, espalhando-se pelo Brasil, através da transfiguração da Padroeira, enquanto a periferia sangra num processo ambíguo, que dessacraliza e ressacraliza o território individual, social e estético.
Tal um Anticristo, o artista – o velho e despistado R. Mutt,, transmutado em Rafael Vira-lata – tem por função invocar a força do caos que sempre já está aí. A fim de destruir para recriar.
DR. PACHECO – A METRÓPOLE DO MAL
De Rafael Augustaitiz
Curadoria: Laymert Garcia dos Satos
11a Bienal de Arquitetura de São Paulo
de 30/10 a 20/11/2017 – visitação de segunda a sexta, das 10h às 20h, sábados e feriados, das 10h às 14h
Local – Escola da Cidade – Rua General Jardim, 65
Informações – www.escoladacidade.edu.br
“Não faça Terrorismo Poético Para outros artistas, faça-o para aquelas pessoas que não perceberão (pelo menos não imediatamente) que aquilo que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite politicagem, não argumente, não seja sentimental. Seja brutal, assuma riscos, vandalize apenas o que deve ser destruído, faça algo de que as crianças se lembrarão por toda a vida – mas não seja espontâneo a menos que a musa do Terrorismo Poético tenha se apossado de você.
Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda. O melhor Terrorismo Poético é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte”. Hakim Bey