[I] Os críticos de arte e comentadores da obra de Partenheimer, sejam eles europeus, chineses ou brasileiros, freqüentemente apontam para o caráter meditativo, aéreo, alegre, imaginativo, e até mesmo lírico de seus desenhos e pinturas, sem esquecer, obviamente, do enigmático equilíbrio que torna sua obra inconfundível, e do silêncio que parece habitá-la (que se pense nas séries do Diário Romano, de Carmen, de De Coloribus, de…
No futuro, se houver, os seres inteligentes que porventura habitarem o mundo talvez considerem que, no decorrer do século 20, a espécie humana tenha atingido um limite em sua linha de evolução. Não porque tivesse realizado plenamente todo o potencial do humano e, esgotando-o, se sentisse pronta para uma mutação, mas porque, paradoxalmente, parece ter voltado suas forças mais poderosas para a negação de si mesma.
A humanidade atingiu um limite quando, ao fabricar a bomba atômica e explodi-la em Hiroshima, em 1945, inaugurou pela primeira vez na história do mundo a possibilidade de uma espécie se extinguir deliberadamente, por meio do holocausto nuclear. O limite foi ultrapassado porque, como observa Elias Canetti, até então, individual ou coletiva, a morte dos homens jamais significara a morte de todos os homens. Com a bomba, o inconcebível tornara-se factível.
Com certeza o extermínio da espécie humana não foi desejado e conscienciosamente buscado por todos aqueles que, ao longo do tempo, contribuíram para o advento da arma nuclear – tal possibilidade mais parece se configurar como um imprevisível “efeito colateral”. Mas isso não diminui a responsabilidade dos homens nem atenua a irreversibilidade da situação criada, que, para dizer o mínimo, passou a projetar uma sombra sobre o termo “sapiens”, da expressão Homo sapiens. O holocausto nuclear seria portanto o horizonte negativo da espécie humana, desenhado desde que ela desintegrou o núcleo da matéria. Na perspectiva instaurada sobrevivem todos ou ninguém; assim, a continuidade da espécie depende de uma ameaça de morte que, apesar de produzida pelos homens, parece pairar sobre eles.
Como se não bastasse, a partir da década de 80, à fissão nuclear veio se somar a decodificação da vida pela genética. E aqui, novamente, o limite da espécie é posto à prova, uma vez que a decifração e a manipulação do código genético abrem teoricamente a possibilidade de o homem conquistar a natureza humana e, a partir dela, abrir uma segunda linha de evolução, constituindo uma outra humanidade. O interessante é que, dessa vez, a negação da espécie se daria não por meio da extinção, mas de sua superação. Tal hipótese, considerada por muitos absurda e fantasiosa, vem no entanto sendo encarada com seriedade crescente pelos especialistas que acompanham as descobertas no campo das chamadas “ciências da vida” e os discursos por meio dos quais a tecnociência tem procurado legitimar suas pretensões e práticas. Com efeito, a questão de uma pós-humanidade está deixando de ser objeto de especulações da ficção científica para ser estudada por artistas e cientistas, naturais e sociais. Lee M. Silver, em “Remaking Eden” (Ed. Avon), antecipa “o que está por vir”, considerando a existência de duas classes fundamentais: os Naturais, que continuariam existindo de acordo com as leis da evolução natural da espécie e formariam a massa trabalhadora; e os GenRich, uma nova classe hereditária de aristocratas genéticos portadores de genes sintéticos.
Devemos aceitar os critérios sociotécnicos que vão separando a espécie em duas… até que a relação entre os GenRich e os Naturais configure entre eles uma distância semelhante àquela que separa os homens dos chipanzés? A tal pergunta Heiner Müller responderia enfatizando a necessidade de uma nova consciência da espécie – como se fosse preciso desrecalcar o fato de que “a perda dessa consciência foi o preço pago para sair do reino animal”; mas, por outro lado, como se a preservação da espécie estivesse exigindo uma compreensão inovadora e amplíssima do humano.