[I] Os críticos de arte e comentadores da obra de Partenheimer, sejam eles europeus, chineses ou brasileiros, freqüentemente apontam para o caráter meditativo, aéreo, alegre, imaginativo, e até mesmo lírico de seus desenhos e pinturas, sem esquecer, obviamente, do enigmático equilíbrio que torna sua obra inconfundível, e do silêncio que parece habitá-la (que se pense nas séries do Diário Romano, de Carmen, de De Coloribus, de…
“Básculas” , o novo projeto de Rubens Mano, é poderoso. Quem o visita pode experimentar o que W. Benjamin denominou “metamorfose da percepção”.
O pensador usou a expressão nos anos 30 para falar do impacto da fotografia e do cinema; aqui, porém, estão em jogo nossas relações com a arquitetura e a fotografia, vale dizer com o espaço e a imagem.
O projeto suscita uma experiência única porque conduz o observador a perceber-se numa situação paradoxal, numa fissura ou espécie de intervalo criado na intersecção entre dois planos de realidade: o plano da materialidade do espaço e o plano imaterial da imagem.
Tal uma báscula, o espectador busca equilibrar-se entre um e outro, e é essa oscilação mesma que o faz perceber, por meio da imagem, o espaço abrindo-se infinitamente e, por meio deste, o poder da imagem.
Como se fosse papel da imagem levar o espaço a desdobrar-se, fazê-lo proliferar e imaterializar-se; como se fosse papel do espaço revelar a imagem, permitir a sua materialização.
Com rigor e sutileza, o artista apaga no observador a sensação muito contemporânea de esgotamento do espaço pelo acúmulo das imagens, substituindo-a pela impressão de que uma fecundidade originária regia, e sempre ainda pode reger, a relação entre os dois planos.
E então, a positividade dessa troca contagia o visitante, tanto mais que ele se vê inscrito nela material e imaterialmente, como corpo e como figura.
Não dá para descrever ou imaginar o que se passa, é preciso estar lá e experimentar.
É que Mano não expõe objetos de arte no espaço de uma galeria: sua arte consiste em expor-nos à potência do espaço e da imagem que, por também se acharem expostos a nós, atraem-nos para a fissura do intervalo, desencadeando-se o movimento da transformação.
É compreensível que não haja objetos ou representações: os elementos da câmera e os processos de geração da imagem fotográfica, que o espectador descobre percorrendo as salas, encontram-se ali como vetores.
A fotografia não se inscreve no espaço arquitetônico, mas vai maquiná-lo em sua dimensão constitutiva.
A dinâmica da produção de imagens passa a fazer parte da dinâmica do espaço construído, que agora deixa de ser dado para ser acionado, e acima de tudo, acionado pela nossa presença. Assim, sua construção se faz, se desfaz, se refaz junto com a nossa.
Num certo sentido, talvez “Básculas” seja um exemplo depurado de “site specific”, já que o trabalho foi feito para um determinado lugar, e não só revela a especificidade deste como ainda o faz “trabalhar”.


Mas pensando bem, a exposição é muito mais do que isso.
“Básculas” não pode ser recriado em lugar algum; e no entanto o que ali se cria extrapola os limites físicos da galeria e rompe o enquadramento das efêmeras imagens que a povoam, despertando a convicção que a fissura do intervalo pode habitar outros espaços, qualquer espaço.
Com “Detector de Ausências”, instalado no viaduto do Chá durante o Arte/Cidade 2, Rubens Mano mostrou que sabia interferir com maestria na relação entre o cidadão da metrópole e seu espaço urbano.
Com “Básculas”, feita a experiência, nossa relação com o espaço arquitetônico nunca mais será a mesma.
Publicado in
Folha de São Paulo, acontece, quinta-feira, 16 de novembro de 2000.
Nota: Exposição Rubens Mano na Casa Triângulo (r. Bento Freitas, 33, Vila Buarque, São Paulo), aberta até novembro de 2000.